Lembro-me feliz das vezes em que chegava à sua casa e, ligeira, você vinha me receber no portão.
Lembro-me de que meus olhos encontravam os seus e de que você me ensinou a utilizá-los também para sorrir.
Lembro-me da ternura daquele olhar tão silencioso, capaz de falar ao meu coração.
Lembro-me do seu colo, do seu abraço, das suas mãos suaves que acariciavam meus cabelos.
Recordo-me de sua casa: tão festiva, tão acolhedora, tão primaveril e dos beijos com os quais me acolhia em sua alma.
Recordo-me do orgulho com o qual me apresentava aos vizinhos e aos amigos: Este é meu netinho,dizia, puxando-me logo em seguida para um beijo e um afago.
Quando jovem, lembro-me dos seus conselhos tão adequados e sábios, que eram capazes de me desnudar o Espírito e me revelar a você, em toda a minha fragilidade.
Os anos se passaram. Eu vi a neve do tempo cobrir os seus cabelos outrora tão negros.
No canto de seus olhos surgiram as marcas da experiência.
Suas mãos, aquelas mãos vigorosas cujos dedos ágeis preparavam a massa do pão e dos biscoitos, dos quais eu tanto gostava, agora se tornaram frágeis e rugosas.
Suas pernas, antes fortes e decididas, que inúmeras vezes me acompanharam em passeios e brincadeiras de roda, são agora lentas e custam a carregar seu delicado corpo.
* * *
Já sou adulto, vovó.
Hoje, não mais você marcha ligeira em minha direção, mas, embora com grande dificuldade, faz questão de me receber no portão.
Meus olhos ainda encontram os seus e você os continua utilizando para sorrir para mim, com certo esforço, por conta de sua catarata.
Você não mais me pega ao colo, mas em seu sorriso tenho verdadeiro porto seguro para me sentir acolhido diante das dores do mundo.
Suas mãos frágeis descansam em meus cabelos, embora agora precise que eu coloque minha cabeça bem perto de você, para que não se canse tanto ao distender seus braços.
Sua casa, desgastada pela ação do tempo, continua trazendo primavera ao meu Espírito.
E, com um sorriso lhe iluminando o rosto, quando me aproximo, você carinhosamente olha para sua enfermeira e diz: Este é meu netinho, mesmo que ela me conheça de longa data.
Sua memória não é mais a mesma, no entanto, você continua tendo as palavras certas, na hora certa, fazendo com que minha alma permaneça como um livro aberto para você.
* * *
Hoje você partiu, vovó. Deixou-me o coração repleto de saudades e a alma transbordante de recordações.
Entretanto, as lágrimas que correm em minha face não são de tristeza. São de gratidão pelo seu amor, pelos afagos recebidos, pelos beijos carinhosos e pelos conselhos que sempre me nortearam.
Dia virá em que receberei seu abraço apertado novamente e sorrindo, como sempre, você olhará para os bons anjos que a acompanham e, serenamente, repetirá: Este é meu netinho.
* * *
Os laços de amor não são desfeitos pela morte.
Mesmo que a saudade se faça espada desembainhada a nos ferir a alma, guardemos a certeza de que, no reino do Criador, não há pontos finais. Antes, há reticências que sinalizam a continuidade da existência, nas moradas do Infinito.
Redação do Momento Espírita.
Em 21.3.2014.
Em 21.3.2014.
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